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A moda tem história

O New Look proposto por Dior, anos 50

A releitura do New Look feita por Galliano, 2009

Um dos maiores pensadores de moda da atualidade, o filósofo francês Gilles Lipovetsky, afirmou em seu livro O Império do Efêmero, publicado em 1987, que este campo do conhecimento não causava furor no meio acadêmico. Hoje em dia a situação não é mais a mesma: é inegável a proliferação de cursos superiores de Design de Moda – no Brasil, são 96 registrados pelo MEC. Mesmo com tal mudança em andamento, é possível perceber, ainda, que a falta de aprofundamento nos estudos dessa área contribui para corroborar seu clichê de futilidade. O caminho mais fácil para mudarmos essa situação passa pela descoberta das origens daquilo que hoje é moda. Se para nos conhecermos melhor precisamos entender nossa história, com a moda acontece algo parecido.

Um bom exemplo para desvendar os significados sociais da moda é voltarmo-nos para os desfiles contemporâneos, em que os mais diversos estilistas fazem releituras de várias épocas. Olhando para o passado, veremos que não é difícil, por suas características mais marcantes em relação à indumentária, definir cada década, ao que podemos chamar de estilo de um determinado período: os anos 50 são conhecidos pela extrema feminilidade das heroínas donas-de-casa, bem trajadas com vestidos rodados marcando a “cinturinha de vespa”.   

O estilista John Galliano, em 2009, fez um desfile para a Maison Dior inspirado no estilo New Look, e nisso há um claro significado. Sua intenção aponta para uma história interligando passado e presente, cuja comprovação se dá ao lembrarmos que nos anos 50 foi o próprio Christian Dior quem consagrou esse estilo – o New Look – quando lançou logo após a Segunda Guerra uma coleção que propunha às mulheres a volta a uma silhueta feminina, elegante e exuberante – para um vestido gastava-se em média de seis a nove metros de tecido. O fato destoante nesse contexto é que a Europa ainda estava devastada pela Guerra e muitos produtos, como os próprios tecidos, eram racionados.

Voltar nosso olhar para o estilo New Look descontextualizando-o de seu momento cultural de acontecimento faz dele apenas uma expressão em outra língua e vazia de significado. As palavras soltas, se desprovidas de significado, são apenas tinta sobre papel em branco, enfileiradas lado a lado, sem contar novidade alguma.

A moda é, pois, em sua essência, produto do seu tempo. Vive de servir e envolver homens e mulheres há séculos em um infinito processo de construção e desconstrução: separar de suas raízes passadas o atual momento em que vivemos é negar um processo de construção socio-histórico. E a roupa, inserida nesse contexto, é também significativo elemento indicador da história. Por isso, nesse vai-e-vem temporal, estejamos atentos: o estilo descartado de hoje pode ser o ícone máximo de amanhã.  

Artigo publicado no Jornal Notisul, em 10.03.10

 Maíra Zimmermann

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Moda e Cinema: O Acossado

O cineasta francês Jean-Luc Godard desconsiderou as formas convencionais de fazer cinema em O Acossado (À bout de souffle), de 1959. Apontado como um marco, o filme abriu as portas da Nouvelle Vague.  Em seu primeiro longa-metragem, o diretor utiliza uma narrativa fragmentada, não linear, focada no imediatismo dos personagens, com um senso do realismo de “aqui e agora”; contraponto à forma tradicional do cinema clássico norte-americano.

Essa ruptura na maneira de comunicar acontece no momento em que as transformações culturais na França ganhavam força de mobilização de uma contracultura jovem. O foco passa a ser o individual, com vista à transformação social coletiva, mudanças que irão culminar nos movimentos de maio de 68. O cinema passa a ser livre e pessoal, desapegado de qualquer tipo de “amarra social”. A forma de contar a história é mais importante do que a própria história. No cinema, na música, nas roupas, o espírito jovem contracultural começa a se assentar nos anos 60.

Uma interessante forma de pensar a relação entre cinema e moda é atentar para os personagens principais do filme: Patricia Franchini (Jean Seberg) e Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo).  Ela, uma bela estudante universitária. Ele, um espertalhão foragido da polícia. É no non-sense dos diálogos do casal, nem tão apaixonado, que a incompatibilidade de seus mundos se mostra presente. Mas isso é o que menos importa. Tanto Patrícia quanto Michel estão interessados no presente. Os personagens falam com a câmera, trazendo uma nova forma de comunicação com o público. As cenas muitas vezes dão a impressão de serem cortadas na metade; quem assiste tem uma sensação de maior interação com a história que está sendo contada.

Os personagens Patricia Franchini e Michel Poiccard em cena clássica do filme O acossado

O figurino dos personagens lançou moda nos anos 60. Patrícia vestia uma calça cigarrete preta e uma blusa de malha amarela com os dizeres do jornal em que trabalhava: New York Herald Tribune. Menina moderna em suas atitudes, tinha os cabelos loiros muito curtos que lhe completavam o visual. Norte-americana de origem, trabalhava e estudava em Paris, relacionava-se com vários homens e não usava soutien, atitudes que condiziam com o corte ousado e refletiam as condições de seu tempo. Estava sempre muito preocupada com a aparência. Gostava de saia de pregas, blusa listrada e vestidos. Um de seus looks é inspirado em Dior, o que mostra forte influência dos anos 50. Em um dos diálogos, Patrícia pede a Michel que lhe compre um vestido Christian Dior. Ele lhe responde que um comprado em uma loja de departamento teria a mesma qualidade.

A personagem Patricia Franchini trajada com o look inspirado em Dior

Michel Poiccard traja óculos escuros, terno, gravata e chapéu, lembrando filmes de gângters norte-americanos dos anos quarenta. O figurino de seu personagem é claramente inspirado em Humphrey Bogart; a ligação com o tipo “valentão” é um recurso utilizado para dar-lhe credibilidade. Michel é alguém que vive de maneira a aproveitar o presente, sem dar muita importância às conseqüências. Temos a impressão de que sua vida vai se desenrolando ao acaso: o crime que comete é um acontecimento aleatório. Para ele, são as circunstâncias que fazem o momento, enquanto age de forma veloz e perspicaz, sem deixar de lado seu humor ácido. Mesmo em todas as suas peripécias, está preocupado com a sua aparência.

Michel Poiccard: figurino inspirado em Humphrey Bogart. Fonte imagens: http://www.imdb.com

A Nouvelle Vague possibilitou uma nova forma de comunicação nas artes que atingiu e transformou efetivamente a vida de grande parte da população européia, fato este que refletiria mundialmente. As formas de entender e relacionar-se com o masculino e o feminino não seria mais a mesma a partir dos anos 60. A diferenciação, a individualidade, a luta por direitos e mudanças começam a se fazer ouvir: são as reinvindicações dos jovens definidos como faixa etária distinta.  Muitas portas começam a ser abertas com o estabelecimento de uma cultura juvenil, com novas possibilidades de pensar o corpo em relação com o traje como canal de comunicação, inserido nas transformações sociais que o rodeiam.

Maíra Zimmermann

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